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Foto do escritorNAPE - Núcleo de Arte e Educação

CRIANÇAS E O ELEMENTO AR


Sua qualidade diferenciada dos outros elementos está na capacidade de penetrar suavemente nos espaços mais escondidos e não ser visto. É ele que entra e sai por dentro de nós a cada instante, nos fazendo comungar de um mesmo gesto, a respiração, a primeira troca que faz o recém-nascido com o mundo.

A voz humana está diretamente ligada ao elemento Ar. A emissão sonora e sua entonação adequada perpassam o ritmo respiratório criando aberturas sensíveis que ampliam a oralidade e musicalidade das crianças. Os cantos e as brincadeiras cantadas do repertório da música tradicional da infância são uma atividade presente no cotidiano das crianças da Casa Redonda, por se tratar de um elemento fundamental na construção do universo sonoro e sensível do ser humano.

Através do sopro, as crianças entram em contato concreto com a presença do ar. Soprar a vela de aniversário, soprar bolas de sabão, encher bexigas de ar, soprar pequenos fiapos de algodão ou de paina se transformam em brincadeiras ampliadas para o sopro de diferentes flautas e apitos que imitam os sons de nossos pássaros.



Brinquedos que utilizam o ar para serem colocados em movimento são construídos com as crianças, que imediatamente captam a força desse elemento. No tempo dos ventos, olhar o movimento das folhas nas árvores, e, no outono, a queda das folhas, quando surgem as rajadas de ar, são oportunidades de um contato com esse elemento da natureza que principalmente se torna presente para as crianças quando promove algum movimento.


Deitadas sobre a relva, por exemplo, olham o movimento das nuvens embaladas pela alternância de direções do vento que forma diferentes desenhos, criando “bichos esquisitos”.

A brincadeira da pipa foi a nossa primeira pesquisa com o objetivo muito claro de mostrar a pais e professores que brincar é uma linguagem de conhecimento, e que há muitos saberes acontecendo nas brincadeiras espontâneas das crianças em sua relação com os elementos da natureza.

Construir pipa, construir aviões de papel, paraquedas, cataventos, barangandões, peixes voadores e mais uma centena de brinquedos que lidam com o ar envolve habilidade manual e, principalmente, a precisão geométrica sem a qual o brinquedo não funciona.

Dominar a construção de um brinquedo utilizando as próprias mãos como, por exemplo, os aviões de papel e outros é um fazer desafiador, que envolve persistência e constante aperfeiçoamento, resultando no bom desempenho da brincadeira, que se inicia desde a etapa do preparo.



A relação entre começo, meio e fim presente nessas brincadeiras se torna uma experiência concreta formadora de atitudes relevantes para a avida da criança como aprendiz.

Através de nossas pesquisas reconhecemos, a ciclicidade presente nas brincadeiras tradicionais e a relação profunda entre as brincadeiras das crianças e o ritmo da natureza com suas estações. Assim, passamos a observar na Casa Redonda o aparecimento de brincadeiras que surgiam através de uma criança e se irradiavam por todas as outras, como se um fio comum a elas tecesse aquela manifestação espontânea.

Seguimos durante alguns anos a sincronicidade entre as estações e o aparecimento de certas brincadeiras, que brotavam durante aquele período do ano, sem se repetir. Ao começar a estação dos ventos, observamos a solicitação das crianças para a construção de aviões de papel, que vão se prolongando durante um período que chega até a primavera, em que aprendizagens sobre diferentes formatos de aviões, paraquedas, dragões e peixes voadores acontecem ativadas pelo interesse das crianças em atingir alturas cada vez maiores.


A criação de asas, a vontade de voar correndo com capas que se movimentam com o vento ou apenas uma vara de bambu com uma tira comprida de papel crepom esvoaçando no ar fazem parte do repertório de brincadeiras que acontecem no tempo dos ventos.

Leituras sobre a mitologia em que aparecem seres alados, assim como o percurso do homem em sua vontade de voar, construindo seus primeiros aparelhos voadores até chegar às naves espaciais, são do interesse das crianças, e cabe ao professor ampliar o tema abordando esses dois tipos de conhecimento, a mitologia e a ciência.



Com a primavera, a música, o teatro, as danças, os jogos brotam de uma hora para

outra, como expressão de um movimento de expansão corporal, uma espécie de

florescência individual e grupal. Nesse período, a música e as brincadeiras carregam uma força vital e rítmica bastante diferenciada do que ocorre, por exemplo, no outono e inverno, agregando espontaneamente um número maior de crianças participando das atividades.

A música e a dança brotam como um movimento espontâneo. Uma vez que as crianças solicitem aos professores, eles deverão ter recursos próprios para desenvolver um repertório de qualidade focado na música tradicional da cultura infantil, o maior espelho e a expressão mais sensível de Brasil”, segundo Lydia Hortélio. Para ela, praticando essa música, estaremos restabelecendo o laço afetivo com nossa língua, a língua-mãe musical, que nos brinquedos cantados carrega o encanto e o mistério da infância da raça e dos arquétipos de nossa cultura. Uma das formações pela qual passa o professor da Casa Redonda é a aprendizagem de um repertório de música, dança, histórias e brincadeiras que os faça entrar em contato com o universo sensível da cultura brasileira, na sua melhor qualidade, buscando se entender como um brincante que sabe dançar, cantar, brincar e contar história quando solicitado. Essa formação é contínua e constantemente ampliada.



As manifestações corporais das crianças se alternam em atividades, ora mais introvertidas, ora mais extrovertidas, acompanhando suas singularidades em sintonia com a mudança das estações do ano, que corresponde à presença de uma determinada qualidade solar agindo sobre o organismo humano. É constante nos surpreendermos com o aparecimento repentino de uma brincadeira que contagia a maioria das crianças. A chegada ao mês de abril, quando inicia o outono, coincide, por exemplo, com brincadeiras em casas construídas com caixotes ou tecidos que formam pequenos abrigos, lugar de aconchego e recolhimento, espalhados em diferentes espaços. Essas e muitas outras observações fazem parte do acervo de nossa pesquisa e estudo para fundamentar, através da nossa prática, o reconhecimento de uma relação de sintonia natural entre a criança e os elementos da natureza, consciente da importância desses registros como fontes que deverão nortear e ressignificar a infância.

Portanto, ao brincar com a água, a terra, o fogo e o ar, as crianças estão entrando em contato com símbolos fortes que acompanham o imaginário da humanidade desde sempre como marcos da história de nossa evolução. Ao entrar em contato com esses elementos, seu corpo faz ressoar a estação primeira da matéria através da qual o homem primitivo apreendia o Universo. Como diz Carl Jung, em Psicologia y Educación: “A criança vive um mundo pré-racional e, sobretudo, pré-científico, mundo da humanidade que existia antes de nós. É nesse mundo que mergulham nossas razões e é por essas razões que crescem as crianças”.


Brincar com os elementos é fundamentalmente criar raízes com a Terra, é vincular-se à natureza compartilhando de um acolhimento mútuo, vivido entre dois entes misteriosos – o Homem e o Universo:

Somente o vivido sobrevive. Somente o vivido no mais profundo de nossas células nos faz evoluir. Nem o entendimento nem a compreensão são capazes disso. Só o vivido é transmissível. É por esse vivido apenas que nós podemos agir sobre o mundo que nos rodeia. Se tu te transformas, a matéria também é obrigada a transformar-se. Um anjo me perguntou um dia: Tu compreendes a minha palavra? Não a entendas, não acompreendas. Mas, vive-as.


Texto: Brincando com os elementos- Gitta Mallasz (Casa Redonda Centro de Estudos)

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