O fogo, com sua luminosidade, com a dança de suas labaredas e o estalar das madeiras, fascina as crianças como a luz atrai as mariposas. Em uma noite de acampamento, junto à fogueira, uma criança verbalizou que “gotinhas de luz” estavam subindo para o céu.
Diferente da água, o movimento do fogo se eleva, e rapidamente as crianças percebem essas qualidades específicas dos elementos.
Em algumas culturas, o fogo é identificado com o Sol, a energia que irradia luz e, através de seus raios, fecunda, purifica e ilumina o mundo. O contato das crianças com o fogo ocorre inicialmente com o preparo do lanche, que, no tempo do frio, se organiza a partir do recolhimento dos gravetos caídos das árvores, transformando-se em lenha para um fogão improvisado, onde da ação do fogo surge o verbo cozinhar: o alimento é preparado para depois ser distribuído para todos.
Banana, abacaxi, batatas, milho, sopa de verduras, ovos cozidos, queijo coalho e outros alimentos fazem parte dos lanches preparados com as crianças. Diante desse elemento, as crianças novamente assumem uma atitude de pequenos alquimistas, atentos e compenetrados, querendo ver as transformações que o fogo opera em diferentes objetos, observando com intensa curiosidade o que derrete ou o que endurece sob a ação do calor.
Sendo um dos elementos que demanda muita atenção e cuidado, é justamente esse caráter de risco que atua como um importante exercício de concentração e coordenação para muitas crianças. A aquisição desse reconhecimento do risco trazido pelo próprio elemento age como uma experiência de autocontrole que repercute positivamente na ação daquelas crianças que necessitam viver situações que envolvam aceitação de limites e controle de gestos impulsivos.
A atenção e o cuidado passam a ser atitudes incorporadas através dessa atividade. Os meninos apresentam grande interesse por esse elemento, o que pode ser explicado pela presença do risco, pela possibilidade de experimentar as transformações que o fogo opera nos diferentes elementos, acompanhado por desafios que exigem a limitação concreta sobre a impulsividade dos seus gestos.
O fogo e a água se associaram numa brincadeira inventada por uma criança de cinco anos, quando resolveu experimentar o que aconteceria se pingos de vela acesa caíssem sobre a água num pote de barro. A criança demonstrou enorme satisfação ao descobrir que os pingos de cera eram capazes de recobrir toda a superfície da água, tornando-se, após o resfriamento, uma matéria sólida surpreendente.
Acompanhando essa atividade, o professor preparou para o dia seguinte diversas velas coloridas e potes de barro com diferentes tamanhos sobre a mesma mesa em que essa criança havia feito a sua experiência. Essa atividade tomou conta de outras crianças que, trocando experiências entre
si, fizeram surgir diferentes composições de cores e formas, cada vez mais complexas.
Esse é um exemplo da relação do professor e da criança na Casa Redonda: ambos convivem em atitude de observação, experimentação e descoberta, cabendo ao professor esse olhar atento, capaz de gerar elementos que possam trazer novos desafios, intervindo como sujeito criativo numa ação que ampliará a margem de conhecimento das crianças, no momento apropriado e na medida adequada à possibilidade de exploração delas.
A atividade com velas e água é hoje uma das mais procuradas e disputadas por crianças de todas as idades, devido aos desafios presentes na condução da experiência com esses elementos que exige controle motor, concentração, determinação e muito cuidado. Há um entusiasmo durante a execução dessa brincadeira, principalmente com a surpresa do resultado, que motiva sempre uma satisfação partilhada com os companheiros: “Olhe oque eu fiz!”.
Brincando, as crianças se introduzem em diferentes abordagens do conhecimento que mais tarde são nomeadas como “ciências”. A alquimia precedeu a nossa ciência, e as crianças em suas explorações dos elementos da natureza reconstroem esse percurso do conhecimento, cuja essência é a construção delas mesmas, como seres capazes de experimentar e serem experimentados pela própria vida.
Texto: Brincando com os elementos- Gitta Mallasz (Casa Redonda Centro de Estudos)
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