A água, talvez por ser o elemento da natureza com o qual as crianças estabelecem seu
primeiro contato ainda no ventre materno, é uma das substâncias de maior atração para
a maioria das crianças. Como elemento primário de contato, a água se liga à primeira
fase do desenvolvimento da criança, trazendo sensações de acolhimento, sensibilidade e
afeto.
É capaz de produzir relaxamento e purificação, ajudando a dissolver tensões que as
crianças absorvem do meio ambiente e armazenam em seu corpo físico, dificultando a
expressão de sentimentos e prejudicando ao longo do tempo o seu contato consigo mesmo
e com o outro. Além dessas características, o planeta que nós habitamos, embora se
chame Terra, possui aproximadamente 70% de água. Essa mesma proporção se dá dentro
do nosso corpo físico.
Ao contatar a qualidade líquida e sem forma da água, as mãos das crianças vão
conhecendo e reconhecendo sensações táteis agradáveis, ativando explorações cada vez
mais desafiadoras. A água, com sua constituição fluída, propicia infinitas possibilidades
de contato com o corpo, e é nessa via que as crianças brincam, ora entrando de corpo
inteiro em bacias de água, motivo de intensa alegria, ora enchendo e esvaziando
recipientes que possam contê-la, aprendendo a preencher diferentes tipos de latas,
garrafas, potes e outros objetos, buscando a proporção correta para não a derramar.
.
Através da pintura com variadas cores e pincéis de diferentes espessuras sobre papéis e
texturas diversas, o domínio do uso desse elemento líquido, agora colorido pelos
pigmentos, vai sendo incorporado por meio de singulares explorações. Muitas vezes essas
pinturas ultrapassam o papel estendendo-se sobre o próprio corpo, face à suavidade do
toque do pincel e da sensação prazerosa desse contato.
A mistura da água com diferentes vegetais e com a própria terra produz um tingimento
colorido que permite a experimentação de variadas cores, motivo de descobertas das
diferentes gradações e composição das mesmas. Essa mesma exploração se repete à
medida que elas fazem suas misturas, transformando giz colorido em pó pela utilização
de pequenos raladores e pilões.
Diversas cores de giz e de papel crepom são processadas pelas próprias crianças, para a
descoberta das cores em misturas com a água. Essas experiências perpassam um contato
concreto sobre diferentes estados em que a matéria pode ser transformada, e mais tarde
certamente esses conceitos serão mais bem compreendidos porque vividos por esses
exploradores natos. Como pequenos alquimistas em suas repetidas brincadeiras de
misturar elementos e de assistir a suas transformações, as crianças estão sempre
buscando descobrir alguma fórmula nova para suas poções.
A concentração e a compenetração estão sempre presentes nesses momentos de livre
exploração. Uma vez feitas suas misturas, garrafas transparentes são utilizadas para
conter as variações de cores descobertas. Além de se identificarem com as cores de que
mais gostam, as crianças adoram comparar as cores de suas garrafas coloridas com a
dos companheiros, notando pequenas diferenças em relação aos matizes que conseguiram
criar.
É interessante observar a preferência de algumas crianças desde muito cedo por uma cor
que sempre passa a estar presente nos desenhos, nas pinturas e em outras atividades em
que há possibilidade de escolher cores. Essas atividades permeiam todo o verão, o início
do outono e a primavera, e vão sendo ampliadas com novos elementos que podem ser
acrescentados pelo professor para desafiar outras possibilidades de utilização dos
materiais que vão sendo descobertos.
Águas perfumadas por flores, folhas e ervas ligadas às estações do ano são atividades que
se apresentam sob várias configurações a partir do interesse que brota de uma criança ou
do grupo. Essa é a riqueza infindável de um currículo que nasce do contexto vivo, em que
o ambiente da natureza é propiciador de desafios, e crianças e professores se juntam em
descobertas que representam aprendizagens significativas para ambos.
Nos momentos em que as perguntas surgem, os livros passam a ser consultados para
ampliar conhecimentos, resultando no exercício da capacidade nata das crianças de
investigar, de querer saber como as coisas acontecem, buscando responder com
informações precisas e adequadas as perguntas levantadas por elas. Esse é o processo de
aprendizagem que ocorre no dia a dia da nossa prática educativa, e esse é o grande
desafio na formação do professor de educação infantil: manter vivo o espírito indagador,
a inocência do primeiro olhar, o maravilhar-se, o querer saber como é, matriz humana do
nosso percurso pela vida. Deveria fazer parte da formação do professor a construção
desse olhar que verdadeiramente vê, que se deixa ser tocado pela beleza singela da
variedade de formas que nos introduzem à geometria viva presente na natureza.
Materiais simples e de baixo custo, como uma bacia de água ou uma torneira nas
proximidades de um tanque de areia ou de uma área com terra, garantem para essa faixa
de idade o grande e disputado espaço da brincadeira. Buracos, montanhas, bolos,
comidas, pistas, castelos de princesas, bruxas, casas de animais, cavernas, armadilhas,
pontes, poços, barragens, canalizações de rios e de lagos, brotam sob infinitas formas.
Verdadeiras engenharias são projetadas pelos grupos com a participação de cada um,
permeadas por conversas e descobertas de instrumentos que os auxiliam a realizar suas
construções. Brincando com a água, as crianças descobrem de um lado sua suavidade e,
de outro, buscam formas de contenção da força que esse elemento também apresenta,
fazendo surgir sistemas criativos, diferentes engenhocas que descobrem para ordenar o
trajeto da água, utilizando-se de materiais que possibilitam sua circulação e seus
deslocamentos como mangueiras transparentes, canos de PVC e bambus. Nessas
brincadeiras, os educadores estão próximos das experimentações das crianças, sempre
atentos a desenvolver como princípio o uso dos elementos, sem que haja desperdício.
Essencial para a limpeza do corpo, assim como para os rituais de purificação após
brincadeiras em que a água se encontra presente, observamos uma atmosfera de
tranquilidade entre as crianças, como se o contato com esse elemento as auxiliasse
internamente na harmonização de suas próprias águas. Geralmente, ao concluírem essas
atividades, que muitas vezes agregam um grupo de crianças de várias idades, a maioria
parte para atividades individuais mais recolhidas e calmas.
Nos dias quentes, de sunga e biquíni, as crianças aprendem a construir chuveiros de lata e
bolas d’água de bexiga, brincadeiras que as deixam em completa euforia, ecoando entre
elas gostosas gargalhadas que contagiam todos os que estão próximos. Regar as plantas,
lavar os objetos e as pequenas peças de roupa que utilizam em suas brincadeiras e colocá-
los para secar ampliam a oportunidade de contato com a água, introduzindo atitudes de
cooperação e manutenção dos materiais limpos. Nos momentos em que decidem preparar
sucos de frutas para o lanche, criam bancas de limonada, e, em outras situações, surgem
restaurantes nos quais são preparadas saladas de alface, colhidas da horta, e
devidamente lavadas.
Experiências com os diferentes estados em que a água pode se apresentar são preparadas
pelos professores e ansiosamente esperadas pelas crianças que estão sempre curiosas
para descobrir o porquê das transformações.
Diferentes culturas, das mais antigas às mais recentes, falam sobre o simbolismo da água,
expressando as várias maneiras como ela foi experienciada pelos homens. Para muitos
povos, ela constitui a forma substancial de manifestação da origem da vida, símbolo de
fertilidade e purificação. Os significados simbólicos da água se reportam a três temas
básicos: a origem da vida, o meio de purificação e a substância regenerativa.
O grande fascínio das crianças pela água demonstra sua necessidade de manter contato
com esse elemento e a consequente importância de defendermos a sua presença como uma atividade indispensável num espaço de educação infantil. Um belo exemplo do poder daágua é expresso por um erudito chinês do século XI, citado por John Blofeld, em seu livro
The Wheel of Live:
[...] A água é submissa, mas conquista tudo. A água extingue o fogo, ou, vendo que pode
ser derrotada, escapa como vapor e toma nova forma. A água carrega a terra macia, ou,
quando desafiada pelas rochas, procura um caminho em torno... Satura a atmosfera de
modo que o vento morre. A água é humilde, mas não submissa, ela cede passagem para os
obstáculos com uma humildade enganadora, pois nenhum poder pode impedi-la de seguir
o seu caminho traçado rumo ao mar. A água conquista submetendo-se, nunca ataca, mas
sempre ganha a última batalha.
Texto: Brincando com os elementos- Gitta Mallasz (Casa Redonda Centro de Estudos)
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