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Foto do escritorNAPE - Núcleo de Arte e Educação

CRIANÇAS E O ELEMENTO ÁGUA

A água, talvez por ser o elemento da natureza com o qual as crianças estabelecem seu

primeiro contato ainda no ventre materno, é uma das substâncias de maior atração para

a maioria das crianças. Como elemento primário de contato, a água se liga à primeira

fase do desenvolvimento da criança, trazendo sensações de acolhimento, sensibilidade e

afeto.



Criança mergulhando na água
Imagem: Pexels




É capaz de produzir relaxamento e purificação, ajudando a dissolver tensões que as

crianças absorvem do meio ambiente e armazenam em seu corpo físico, dificultando a

expressão de sentimentos e prejudicando ao longo do tempo o seu contato consigo mesmo

e com o outro. Além dessas características, o planeta que nós habitamos, embora se

chame Terra, possui aproximadamente 70% de água. Essa mesma proporção se dá dentro

do nosso corpo físico.

Ao contatar a qualidade líquida e sem forma da água, as mãos das crianças vão

conhecendo e reconhecendo sensações táteis agradáveis, ativando explorações cada vez

mais desafiadoras. A água, com sua constituição fluída, propicia infinitas possibilidades

de contato com o corpo, e é nessa via que as crianças brincam, ora entrando de corpo

inteiro em bacias de água, motivo de intensa alegria, ora enchendo e esvaziando

recipientes que possam contê-la, aprendendo a preencher diferentes tipos de latas,

garrafas, potes e outros objetos, buscando a proporção correta para não a derramar.

Criança observando o copo enxer de água
Imagem: Pexels

.

Através da pintura com variadas cores e pincéis de diferentes espessuras sobre papéis e

texturas diversas, o domínio do uso desse elemento líquido, agora colorido pelos

pigmentos, vai sendo incorporado por meio de singulares explorações. Muitas vezes essas

pinturas ultrapassam o papel estendendo-se sobre o próprio corpo, face à suavidade do

toque do pincel e da sensação prazerosa desse contato.


A mistura da água com diferentes vegetais e com a própria terra produz um tingimento

colorido que permite a experimentação de variadas cores, motivo de descobertas das

diferentes gradações e composição das mesmas. Essa mesma exploração se repete à

medida que elas fazem suas misturas, transformando giz colorido em pó pela utilização

de pequenos raladores e pilões.

Diversas cores de giz e de papel crepom são processadas pelas próprias crianças, para a

descoberta das cores em misturas com a água. Essas experiências perpassam um contato

concreto sobre diferentes estados em que a matéria pode ser transformada, e mais tarde

certamente esses conceitos serão mais bem compreendidos porque vividos por esses

exploradores natos. Como pequenos alquimistas em suas repetidas brincadeiras de

misturar elementos e de assistir a suas transformações, as crianças estão sempre

buscando descobrir alguma fórmula nova para suas poções.

Criança fazendo pintura com os dedos
Imagem: Pexels




A concentração e a compenetração estão sempre presentes nesses momentos de livre

exploração. Uma vez feitas suas misturas, garrafas transparentes são utilizadas para

conter as variações de cores descobertas. Além de se identificarem com as cores de que

mais gostam, as crianças adoram comparar as cores de suas garrafas coloridas com a

dos companheiros, notando pequenas diferenças em relação aos matizes que conseguiram

criar.

É interessante observar a preferência de algumas crianças desde muito cedo por uma cor

que sempre passa a estar presente nos desenhos, nas pinturas e em outras atividades em

que há possibilidade de escolher cores. Essas atividades permeiam todo o verão, o início

do outono e a primavera, e vão sendo ampliadas com novos elementos que podem ser

acrescentados pelo professor para desafiar outras possibilidades de utilização dos

materiais que vão sendo descobertos.

Águas perfumadas por flores, folhas e ervas ligadas às estações do ano são atividades que

se apresentam sob várias configurações a partir do interesse que brota de uma criança ou

do grupo. Essa é a riqueza infindável de um currículo que nasce do contexto vivo, em que

o ambiente da natureza é propiciador de desafios, e crianças e professores se juntam em

descobertas que representam aprendizagens significativas para ambos.

Nos momentos em que as perguntas surgem, os livros passam a ser consultados para

ampliar conhecimentos, resultando no exercício da capacidade nata das crianças de

investigar, de querer saber como as coisas acontecem, buscando responder com

informações precisas e adequadas as perguntas levantadas por elas. Esse é o processo de

aprendizagem que ocorre no dia a dia da nossa prática educativa, e esse é o grande

desafio na formação do professor de educação infantil: manter vivo o espírito indagador,

a inocência do primeiro olhar, o maravilhar-se, o querer saber como é, matriz humana do

nosso percurso pela vida. Deveria fazer parte da formação do professor a construção

desse olhar que verdadeiramente vê, que se deixa ser tocado pela beleza singela da

variedade de formas que nos introduzem à geometria viva presente na natureza.

Crianças observando a natureza com uma lupa
Imagem: Pexels

Materiais simples e de baixo custo, como uma bacia de água ou uma torneira nas

proximidades de um tanque de areia ou de uma área com terra, garantem para essa faixa

de idade o grande e disputado espaço da brincadeira. Buracos, montanhas, bolos,

comidas, pistas, castelos de princesas, bruxas, casas de animais, cavernas, armadilhas,

pontes, poços, barragens, canalizações de rios e de lagos, brotam sob infinitas formas.

Verdadeiras engenharias são projetadas pelos grupos com a participação de cada um,

permeadas por conversas e descobertas de instrumentos que os auxiliam a realizar suas

construções. Brincando com a água, as crianças descobrem de um lado sua suavidade e,

de outro, buscam formas de contenção da força que esse elemento também apresenta,

fazendo surgir sistemas criativos, diferentes engenhocas que descobrem para ordenar o

trajeto da água, utilizando-se de materiais que possibilitam sua circulação e seus

deslocamentos como mangueiras transparentes, canos de PVC e bambus. Nessas

brincadeiras, os educadores estão próximos das experimentações das crianças, sempre

atentos a desenvolver como princípio o uso dos elementos, sem que haja desperdício.

Essencial para a limpeza do corpo, assim como para os rituais de purificação após

brincadeiras em que a água se encontra presente, observamos uma atmosfera de

tranquilidade entre as crianças, como se o contato com esse elemento as auxiliasse

internamente na harmonização de suas próprias águas. Geralmente, ao concluírem essas

atividades, que muitas vezes agregam um grupo de crianças de várias idades, a maioria

parte para atividades individuais mais recolhidas e calmas.

Nos dias quentes, de sunga e biquíni, as crianças aprendem a construir chuveiros de lata e

bolas d’água de bexiga, brincadeiras que as deixam em completa euforia, ecoando entre

elas gostosas gargalhadas que contagiam todos os que estão próximos. Regar as plantas,

lavar os objetos e as pequenas peças de roupa que utilizam em suas brincadeiras e colocá-

los para secar ampliam a oportunidade de contato com a água, introduzindo atitudes de

cooperação e manutenção dos materiais limpos. Nos momentos em que decidem preparar

sucos de frutas para o lanche, criam bancas de limonada, e, em outras situações, surgem

restaurantes nos quais são preparadas saladas de alface, colhidas da horta, e

devidamente lavadas.



Experiências com os diferentes estados em que a água pode se apresentar são preparadas

pelos professores e ansiosamente esperadas pelas crianças que estão sempre curiosas

para descobrir o porquê das transformações.

Diferentes culturas, das mais antigas às mais recentes, falam sobre o simbolismo da água,

expressando as várias maneiras como ela foi experienciada pelos homens. Para muitos

povos, ela constitui a forma substancial de manifestação da origem da vida, símbolo de

fertilidade e purificação. Os significados simbólicos da água se reportam a três temas

básicos: a origem da vida, o meio de purificação e a substância regenerativa.


O grande fascínio das crianças pela água demonstra sua necessidade de manter contato

com esse elemento e a consequente importância de defendermos a sua presença como uma atividade indispensável num espaço de educação infantil. Um belo exemplo do poder daágua é expresso por um erudito chinês do século XI, citado por John Blofeld, em seu livro

The Wheel of Live:

[...] A água é submissa, mas conquista tudo. A água extingue o fogo, ou, vendo que pode

ser derrotada, escapa como vapor e toma nova forma. A água carrega a terra macia, ou,

quando desafiada pelas rochas, procura um caminho em torno... Satura a atmosfera de

modo que o vento morre. A água é humilde, mas não submissa, ela cede passagem para os

obstáculos com uma humildade enganadora, pois nenhum poder pode impedi-la de seguir

o seu caminho traçado rumo ao mar. A água conquista submetendo-se, nunca ataca, mas

sempre ganha a última batalha.



Texto: Brincando com os elementos- Gitta Mallasz (Casa Redonda Centro de Estudos)


Veja mais sobre o elemento água na Arteterapia em nosso Canal no Youtube:

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